Penso. Fadigo-me de tanto pensar. Talvez seja reflexo da minha personalidade que, segundo Carl Gustav Jung, pode ser nominada como INFJ. Confesso, é bom se sentir entre os mais raros (apenas 1% da população). Mas a minha dádiva, às vezes, é minha maldição. Não reclamo, ao contrário, abraço-a como uma criança abraça seu pai quando chega de uma longa viagem. Amo-me a mim e a minha mente. Somos amigos íntimos. Por causa disso, vivo pensando, conjecturando, criando hipóteses, idéias, teorias sobre todas as coisas que vivo. Essa, que aqui escrevo, é apenas uma delas. É recém-nascida, talvez fruto de uma concepção gerada em mim a algum tempo, mas que eclodiu apenas ontem.
Fato que as leituras que ando fazendo me influenciam. Ainda bem, pois assim vejo que não estou morto, "
Cogito ergo sum [penso, logo existo]
" já dizia Descartes.
Pois bem, o último livro que ando lendo é o polêmico "O Anticristo", que pra mim, nada soa com muita novidade, pois o que Nietzsche critica basicamente em seu livro, é o que eu sempre critiquei, mas serve-me como base de argumentos futuros, o que aprendi em minha leitura.
Andei pensando sobre Deus. Sobre todos os possíveis deuses e, inclusive, o Deus que Nietzsche matou. Como sempre tento achar resposta pra tudo e um sentido que não exclua as idéias que me vem a mente, pensei em algo, que pra mim, é novo. É justamente sobre o pensar em Deus: a ideia de Deus.
Como minha formação sempre foi cristã, baseio-me na bíblia para argumentar e formar minhas idéias (sei que isso pode ser arbitrário e condicionar meu pensamento). Mas não leio e penso na bíblia como um manual. Antes de mais nada, tento ler e entender as passagens ali descritas, de uma forma filológica: Analiso não só o contexto histórico-social da coisa, mas a psicologia de quem escreve. Isso, pra mim, revela coisas interessantíssimas que podem estar ocultas aos olhos dos leitores comuns. Como por exemplo, a história do Éden.
Toda a bíblia poderia perecer, exceto os capítulos iniciais de Gênesis, Eclesiastes e o sermão da montanha. Todo o resto pode ser enfeites de uma ideia central, contida, especificamente, nesses livros.
Essas foram as perguntas que me surgiram ontem: Por que está relatado (por Moisés) que Deus criou o homem a sua imagem? Por que, Deus tinha um relacionamento livre com o homem antes da "queda" que não pudesse tê-lo posteriormente, apenas perdoando o homem? Por que só um povo escolhido? Por que leis? Essas primeiras, tendo em vista apenas o gênesis. Agora, por que tudo é vaidade? Por que não há nada de novo debaixo do céu? Já afirmava Salomão. E agora, vem Jesus: Por que e para que o Reino está em nós, a partir da pessoa do Cristo? Por que o pecado não tem mais lugar em nossa vida, a partir do momento em que entendemos a boa nova? Por que Paulo quis reintroduzir na mente da igreja primitiva, o conceito de culpa e castigo?
Todas essas peguntas me tem assolado nos últimos meses. Ontem cheguei a um pensamento derradeiro, divisor de águas. E tudo se responde, se respondemos a essa ultima pergunta: Quem É Deus pra nós e como o conhecemos?
Tudo me remete ao Jardim. Ao começo de tudo. E, obviamente, não leio aquela fábula de forma literal (não descartando a possibilidade de ser, nunca!).
O Homem. Criado a imagem e semelhança do próprio Deus. Quem nos diz isso é Moisés, que não conheceu a Deus tal como Ele é. Ora, se ele não sabe como Ele é, como pode nos dizer que somos a imagem e semelhança dEle? Não me venham com a balela da "Inspiração Divina". Inspiração não é fato, é ideia, e como tal, pode ser questionada, assim como tudo o que existe. Uma resposta que encontro é essa: A ordem dos fatores está invertida, o que não altera o resultado, mas altera os "porquês". Imaginem um feto, sem consciência de si, apenas barro. Vem Deus e o gera, a partir de sua mãe. O que passa na cabeça desse novo ser? Será que passa o pensamento de quem ele é e para o que serve? Bem improvável. Assim o era, o homem, em um tempo não definido, talvez até mesmo fora do "tempo". Se relacionava de maneira franca e direta com Deus, que diga-se de passagem, não tem uma "forma". Ora, se a única coisa que o homem, já com consciência de si, sabia que era existente e que pensava era ele próprio, qual a única forma de pensar Deus que ele tinha? Isso, ele mesmo. Ou seja, Deus vinha ao paraíso em "forma humana" ou melhor, em "contato direto" para se relacionar com o homem. A chave da questão é essa: relacionamento. Contrariando toda a idéia de um "Deus Todo-poderoso que não abre mão de seu poder", Deus se relacionava com o homem de forma direta, de acordo com a mente desse homem. Era um relacionamento de puro amor, de homem para Deus, na forma de homem-para-homem. "Não é bom que o homem viva só" já decretava Deus, o destino do homem: a partir de um relacionamento real homem-homem viria a "descobrir" a moral. Com a convivência, o homem evolui e passa a ter um "pré-pensamento". Nesse momento, o homem não tem "vergonha" de Deus, nem o vê como algo mal, está isento de vaidades. Mas o homem resolve descobrir o mal (e o bem). Daí a partir da convivência com o outro, no caso a mulher, o homem não descobre a moral, ele a CRIA. O Homem cria o bem e o mal, ou pelo menos a consciência dele. A partir desse momento, vê que existe, ou pode existir, vida lá fora. E assim, reinventa a ideia de Deus. O Homem a partir de então, vê Deus como seu carrasco, se vê como fruto de uma experiência e tem medo. Vergonha é a palavra usada pra caracterizar o que se sucedeu em seu coração, mas pode-se entender como medo. Medo de Deus. Nesse mesmo momento, ele também cria junto a ideia de mal, o adversário, que nada mais é, que um estado de sua consciência, voltado para a parte "má" de sua moral.
Não descarto a existência dos dois, Deus e Diabo. Apenas digo sobre a ideia acerca deles que o homem constrói em sua mente.
Como Deus se relaciona com o homem, a partir da visão deste, Deus agora, de fato, se torna seu carrasco, e a consciência má da moral, sua acusadora. Daí o homem sempre tentando fugir dessa consciência e demonizando-a, para não se sentir culpado diante de seu Juiz. A partir dessa ideia, explica-se todo o conceito judaico-cristão acerca de Deus e, não exclui as outras culturas (de certa forma, um "fator Melquisedeque").
E assim, o homem se relacionou com seu Deus, criado (não literalmente, mas na ideia) a sua imagem e semelhança.
Acerca disso, Moisés registrou, não os fatos, mas os conceitos. E essa história parece-me se repetir em cada novo homem que nasce. Daí a ideia de que "todos pecaram", porque todos adquirem essa consciência de Deus a partir do meio em que vive.
Cristo. Novidade, Evangelho. Ensinou que o "Reino está em nós" ou seja, que a ideia de Deus, quem constrói somos nós. Não existe, literalmente, pecado. Pelo menos não para os que adquiriram a consciência de Cristo. Por que? Muito simples, porque entendemos que a moral é fruto da suposta "sabedoria humana". Porque o mal é, de fato, inventado pelo homem e, a partir daí não mais fazemos o mal, porque sabemos que nós o inventamos. Para essa "nova criatura" não existe culpa, antes, foi remido em sua consciência, pela vida e ensinamentos de Cristo. A Grande questão não está na morte desse, e sim na vida. Um evangelho que valoriza mais a morte que a vida, não é evangelho. Infelizmente poucos o entenderam, e ainda sim, deturparam sua mensagem, criando regras e "doutrinas" para uma vida de sacrilégios e uma suposta "santidade".
Com Cristo, voltamos a "inocência" se é que podemos chamá-la assim, do relacionamento que o homem tinha com Deus. Este agora abita através de seu Espírito, em nós, no próprio homem, não sendo mais necessário, um relacionamento inventado, ou face-a-face. Basta apenas olharmos para nós mesmos. Posteriormente, esse relacionamento interiorizador, se reflete no relacionamento homem-homem, que agora, é movido pelo amor, e não pela culpa. É a ideia por trás dos únicos dois "mandamentos" deixados por Cristo: 1. Amarás a teu Deus sobre todas as coisas e 2. Semelhante a este, amarás a teu próximo como a ti mesmo (porque ele também "carrega" Deus dentro de si).
O que a igreja fez? deturpou Cristo. Inventou um "Salvador", "Redentor", "Segunda pessoa da trindade". Quando ela fez isso? Com os primeiros apóstolos, que não entenderam a mensagem de Cristo, antes preferiram a mensagem martirizadora da cruz à vida esclarecedora do Cristo. Voltou-se ao tempo ANTES de Cristo, logo APÓS sua morte.
Em outras culturas e religiões, se vê uma consciência, de certa forma, parecida, principalmente no Budismo, que diga-se de passagem, é mil vezes mais realista e sincero que o nosso atual cristianismo e por que não dizer, mais evoluído.
A Vaidade do homem encarcerou novamente o espírito livre e multiforme de Deus. A isso, denominamos "Graça". E a fé, que originalmente seria essa consciência livre de convicções, passou a ser o instrumento humano de escravização divina. Junta-se a esperança do nada com o amor a coisa nenhuma, e temos, novamente, uma religião pagã, fundada pelos "seguidores" de Cristo.
Não afirmo nada disso que escrevi como verdade absoluta, pois se assim o fizesse, estaria criando outra religião. Apenas quero transmitir ideias, que felizmente, é a única forma de pensar que não pode ser provada, pois é apenas ideia.
nEle, que supera toda a ideia que possamos ter acerca dEle próprio.
Lucas Vizani.